Mais do que salários e cargos, os jovens querem respeito, empatia e um propósito no trabalho — e não têm medo de pedir demissão para encontrar isso.
Você já percebeu como os jovens da Geração Z têm outra pegada quando o assunto é trabalho? Eles não estão apenas atrás de um bom salário ou um cargo de prestígio — querem mais: respeito, propósito e segurança emocional. E se esses valores não estiverem presentes, eles simplesmente caem fora. Literalmente.
Uma pesquisa recente chamada “Perspectivas Intergeracionais no Mercado de Trabalho” apontou que o assédio moral é o principal motivo que leva jovens entre 16 e 30 anos a pedir demissão, sendo citado por 35,5% dos entrevistados. Entre os millennials (31 a 42 anos), esse índice cai para 26,7%. O que isso mostra? Que a Geração Z não está disposta a aceitar o que antes era “tolerado”.
Segundo David Braga, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Minas Gerais (ABRH-MG), isso acontece porque os jovens estão mais informados e conscientes dos seus direitos. “É um reflexo de uma maior conscientização. As gerações anteriores também sofriam assédio, mas a Z vem muito mais preparada para reagir”, destaca. Eles cresceram conectados, com acesso imediato a informações, vídeos, fóruns e exemplos de coragem.
Esse novo olhar sobre o trabalho está obrigando gestores e empresas a se reinventarem, principalmente quando o assunto é liderança e gestão de pessoas. A velha fórmula do “manda quem pode, obedece quem tem juízo” não cola mais com uma geração que quer ser ouvida, respeitada e fazer parte de algo maior.
Do comando pela bronca ao diálogo respeitoso
Oséias Rodrigues, 32 anos, viveu essa transformação na pele. Ele é gerente de uma loja de roupas masculinas em um shopping de Belo Horizonte e lidera uma equipe de jovens entre 20 e 25 anos. Quando foi promovido, tentou repetir o modelo de liderança rígido que conhecia. “Meu antigo chefe me repreendia, e eu simplesmente ia lá e fazia o que era pedido. Quando assumi a liderança, adotei o mesmo tom rígido, mas percebi que isso não funcionava mais. Hoje, se eu agir assim, o colaborador pede demissão e vai para a concorrência”, conta.
Oséias admite que não estava preparado emocionalmente para liderar. “Já aconteceu de eu chamar um vendedor para conversar e ele sair chorando, porque eu não soube me comunicar da maneira certa”, relembra. Essa falta de preparo, segundo ele, é comum no varejo, onde bons vendedores são promovidos sem receber o suporte necessário para liderar.
Liderar é entender de gente, não só de metas
Para o professor Anderson Sant’Ana, da FGV-Eaesp, o erro está justamente em promover pessoas apenas pelo desempenho técnico. “Muitas vezes não preparamos esse indivíduo para essa posição. Pegamos o melhor vendedor, o transformamos em supervisor e perdemos os dois. O preponderante são as ‘soft skills’, as habilidades humanas, é lidar com gente. Um gerente não faz, ele faz o outro fazer”, explica.
Ciente disso, Oséias resolveu correr atrás. “Foi um conhecimento que tive que buscar por conta própria, com leituras, cursos e muita reflexão. Aos poucos, entendi que liderança não se faz a ferro e fogo”, comenta. Hoje, seu estilo é outro: ele escuta, orienta com empatia e ajuda cada colaborador a construir seu próprio caminho.
“Agora, entendo que meu papel como líder é ajudar meus colaboradores a alcançar seus sonhos e objetivos. Preciso saber o que eles buscam além de pagar as contas. É um trabalho de conexão, de dar sentido ao futuro deles. Se não faço isso, não consigo reter a equipe”, afirma com convicção.
Geração Z quer respeito, propósito e diversidade
Essa mudança não se limita à liderança. A própria estrutura das empresas está sendo desafiada por uma geração que quer ser representada, respeitada e valorizada. Fabiana Santos, especialista em recrutamento da Selpe, reforça a importância dessa transformação. “As gerações mais jovens querem se sentir desafiadas, mas também valorizam um ambiente que respeite suas necessidades individuais”, afirma.
Ela acredita que as empresas devem repensar seus modelos de gestão, abrir espaço para o diálogo e integrar diferentes visões. “Quando há transparência, as gerações conseguem se complementar e contribuir para um ambiente mais inovador e produtivo”, analisa.
Essa visão já faz parte da cultura da empresa onde Oséias trabalha. Sua equipe é formada por pessoas de diferentes perfis, crenças e histórias. E ele é o reflexo dessa diversidade. “Você acha que qualquer outra loja aqui no shopping contrataria um gerente com dread?”, brinca. “Os jovens de hoje procuram empresas que estejam alinhadas com seus valores. Durante as entrevistas, eles questionam sobre diversidade e inclusão, algo impensável no passado.”
O futuro do trabalho tem rosto, voz e valores
Se antes o objetivo era ter um bom salário e estabilidade, hoje a Geração Z quer um ambiente de trabalho que respeite sua individualidade, ofereça oportunidades reais de crescimento e, principalmente, que tenha empatia e escuta ativa.
Eles não aceitam mais o silêncio diante do assédio, da pressão sem sentido ou da falta de diálogo. E mais do que isso: eles sabem seu valor. E se a empresa não estiver à altura, eles vão embora.
Esse novo comportamento não é rebeldia. É consciência, coragem e conexão com o que realmente importa. E se as empresas quiserem reter talentos, precisam fazer mais do que oferecer salários — precisam oferecer respeito, propósito e humanidade.