Mesmo com políticas rígidas, criadores estão driblando as regras do TikTok para espalhar ideologias incel por meio de códigos, teorias de beleza extrema e conteúdos disfarçados de “autoaperfeiçoamento”.
A infiltração silenciosa: quando a masculinidade tóxica vira tendência entre os jovens
O sucesso da série Adolescência, da Netflix, acendeu debates intensos nas redes sobre uma crença controversa que vem ganhando espaço entre comunidades masculinas online: a ideia de que apenas uma minoria de homens atrai a maioria das mulheres. E essa narrativa, apesar de ser fortemente associada ao universo incel (abreviação de “involuntariamente celibatários”), está se reinventando de forma estratégica — especialmente no TikTok.
Mesmo com políticas severas contra discurso de ódio, usuários adeptos da ideologia incel estão se adaptando. Eles reestruturam seus conteúdos com linguagem codificada, suavizam o tom e disfarçam mensagens tóxicas como dicas de “autoajuda” masculina, escapando das punições da plataforma e alcançando cada vez mais jovens.
O que está por trás da ideologia incel?
A base do chamado incelismo é a ideia de que vivemos em uma sociedade que funciona com uma hierarquia de aparência. Nessa lógica distorcida, homens menos atraentes seriam automaticamente excluídos do mercado de relacionamentos, enquanto as mulheres seriam responsáveis por manter esse “padrão”.
Essa crença gera o surgimento de teorias pseudocientíficas, muitas vezes misóginas, que tentam explicar a rejeição através da biologia, da simetria facial ou da estrutura óssea — como se relacionamentos humanos pudessem ser reduzidos a fórmulas matemáticas.
No TikTok, esse discurso aparece disfarçado em vídeos e trends aparentemente inofensivos, como a famosa escala PSL, uma classificação baseada em fóruns problemáticos como PUAhate, Sluthate e Lookism.net. Nessa escala, os homens são divididos entre os “deuses do PSL” (os extremamente atraentes), os “Chads” (atraentes) e os “Sub5s” (os considerados fora do padrão).
A professora Anda Solea, da Escola de Criminologia e Justiça Criminal, revelou em entrevista ao The Independent que o grupo “Sub5” inclui jovens que se sentem rejeitados ou excluídos pelas mulheres, mesmo sem se considerarem incels propriamente ditos. Eles compartilham uma sensação coletiva de vitimização masculina, o que os torna terreno fértil para a disseminação dessas ideias.
A teoria 80/20: um dado distorcido e perigoso
Outra ideia recorrente, que ganhou força com a série da Netflix, é a chamada “regra 80/20” — segundo a qual 80% das mulheres se interessariam apenas por 20% dos homens. Essa afirmação, baseada em interpretações distorcidas de dados de apps de relacionamento, reforça uma sensação de exclusão e frustração, alimentando ainda mais a cultura incel.
Looksmaxxing: a obsessão por melhorar a aparência a qualquer custo
No universo incel, surgiu um movimento radical chamado looksmaxxing, que migrou dos fóruns obscuros para o mainstream do TikTok. A promessa? Elevar o “valor de mercado sexual” por meio de mudanças visuais drásticas.
Nesse cenário, os garotos não estão apenas malhando ou cuidando da pele. Eles medem a distância entre as pupilas (DPI), a inclinação dos olhos (cantal tilt) e fazem exercícios com a língua (mewing) para tentar remodelar o rosto. Tudo com o objetivo de alcançar o “formato ideal de maxilar”.
E vai além: há relatos de jovens usando martelos para alterar a mandíbula, numa tentativa absurda de alcançar a simetria perfeita. Em vídeos virais, adolescentes revelam um ódio profundo por sua aparência, implorando por procedimentos estéticos ou cirurgias — uma verdadeira crise de autoimagem alimentada pela pressão online.
Como os incels escapam das regras do TikTok?
Apesar do termo “incel” ser diretamente proibido e vinculado a conteúdos de ódio na plataforma, ainda é possível encontrar milhares de vídeos usando termos alternativos como “Sub5” e “PSL scale”.
Segundo Solea, essas contas usam linguagem reformulada para alcançar um público maior e permanecer visíveis. Evitam xingamentos diretos e adotam uma estética menos agressiva, o que permite que passem despercebidas pelos filtros da plataforma.
“Ao apresentar essas teorias em termos menos ofensivos, como a regra 80:20, eles conseguem evitar insultos diretos e parecer menos hostis, o que os ajuda a permanecer dentro das regras do TikTok”, afirmou Solea ao The Independent.
Atualmente, a hashtag “looksmaxxing” já conta com mais de 143 mil postagens, enquanto “Sub5” ultrapassa os 18,7 milhões. São provas de que, mesmo com regras e alertas, essas ideias encontraram uma nova forma de viralizar — e pior, seduzindo e influenciando adolescentes e jovens adultos.
O alerta por trás da estética: o que a Geração Z e Alpha precisa saber
Por trás dos filtros, das transições estilosas e dos vídeos de “autoaperfeiçoamento”, existe uma narrativa perigosa sendo disseminada sob disfarces atrativos. Os algoritmos estão levando jovens inseguros a se comparar constantemente, se odiar e buscar a perfeição a qualquer custo — seja com apps de edição ou com cirurgias reais.
A discussão não é apenas sobre beleza. É sobre saúde mental, autoestima e a urgência de questionar os padrões tóxicos que viralizam nas redes. É sobre ensinar que você não precisa ser um “Chad” ou um “deus do PSL” para ser valorizado. E principalmente: que seu valor nunca será definido por um algoritmo ou uma escala inventada por fóruns misóginos.