Harvey Weinstein e o Julgamento que Ameaça Apagar o #MeToo da Memória Coletiva

O novo julgamento de Harvey Weinstein reacende debates perigosos que colocam o movimento #MeToo em risco. Entenda como essa reviravolta pode impactar vítimas, redes sociais e a luta contra a cultura do silêncio.

O novo processo do ex-produtor reabre feridas e coloca em xeque os avanços na luta contra a violência sexual — e o futuro do movimento que mudou o mundo

Em um cenário que mais parece um retrocesso social do que um novo capítulo de justiça, Harvey Weinstein — o nome que se tornou símbolo de uma era de abusos e impunidade — voltou a ser julgado. No dia 23 de abril de 2025, o ex-magnata de Hollywood deu início ao seu novo julgamento por estupro e agressão sexual, em Nova York. Sim, ele está novamente no tribunal, mesmo após ter sido condenado em 2020 a 23 anos de prisão por crimes graves.

Mas por que, afinal, esse caso está sendo reaberto? E, mais importante: quais são os riscos reais disso tudo para o movimento #MeToo, que deu voz a milhares de mulheres no mundo todo?

A Corte de Apelações de Nova York anulou a condenação de Weinstein, alegando que ele não teve um julgamento justo. O argumento? Algumas testemunhas não faziam parte formal do caso. Com isso, abriu-se um precedente que não apenas reacende a trajetória judicial do ex-produtor, mas também cria um ambiente fértil para o revisionismo tóxico que ameaça silenciar vítimas de abuso.

A queda de Weinstein em 2017 acendeu o estopim do movimento #MeToo, que desencadeou um tsunami de denúncias contra predadores sexuais. Foi o início de uma virada cultural sem precedentes. No entanto, hoje, a sombra da impunidade volta a se espalhar — alimentada por narrativas perigosas vindas de influenciadores, comentaristas e extremistas de direita, que tentam transformar o agressor em vítima e o movimento em histeria coletiva.

A estratégia do revisionismo: quando a dúvida vira arma

Candace Owens, voz cada vez mais polêmica da direita norte-americana, foi uma das primeiras a defender abertamente a ideia de que Weinstein foi “injustamente condenado”. Em um vídeo postado no TikTok no dia 27 de abril, ela dispara:

“Minha conclusão é que ele foi condenado injustamente. Analisei este caso e concluí que Harvey Weinstein foi basicamente influenciado pelo movimento #MeToo.”

O mais alarmante? Owens não apenas relativiza o sofrimento das vítimas, como chega a chamá-las de “bebês açucarados” e insinua que suas denúncias surgiram como “desculpas para o fracasso profissional”. A retórica é cruel, desumana — mas, para muitos jovens online, soou convincente o suficiente para gerar milhares de visualizações e comentários divididos.

Joe Rogan também entrou no jogo. Durante seu podcast, ele afirmou:

“Não acredito que estou do lado do Harvey Weinstein. Eu achava que ele era culpado de crimes hediondos e aí você ouve e pensa: ‘Espera aí, o quê? O que está acontecendo?’”

Esse tipo de discurso, envolto em dúvidas maliciosas, ecoa nas redes e cria uma atmosfera de ceticismo perigosa. Afinal, quando celebridades com milhões de seguidores colocam em dúvida um caso emblemático como o de Weinstein, o que acontece com vítimas comuns, que não têm mídia, nem provas abundantes, nem apoio jurídico?

Quando o tribunal vira espetáculo e o trauma, conteúdo

O caso lembra o julgamento de Johnny Depp e Amber Heard, que viralizou em 2023 e também dividiu a internet. A diferença é que agora, com Weinstein de volta ao tribunal, vemos o poder do entretenimento transformar processos judiciais em guerras ideológicas.

Nas redes sociais, especialmente no X (antigo Twitter), surgem perfis que chamam Weinstein de “bode expiatório do #MeToo”, enquanto outros analisam obsessivamente os depoimentos das vítimas em busca de contradições. O julgamento se transforma em reality show, e o trauma das sobreviventes vira matéria-prima para teorias conspiratórias.

É como se estivéssemos testemunhando, em tempo real, a tentativa de reescrever a história — uma história que levou décadas para ser contada pelas vítimas, mas que agora pode ser deslegitimada em minutos por um vídeo viral.

O que está realmente em jogo?

A jornalista Constance Grady, da Vox, fez um alerta preciso sobre o que está em risco com esse julgamento. Em seu artigo, ela destaca que o movimento #MeToo não foi apenas sobre expor predadores, mas sobre educar o mundo. Ele abriu espaço para debater temas que eram tabu: consentimento, poder, silêncio e medo.

Mas, como ela escreve:

“Quando Owens executa sua rotina de ‘apenas fazer perguntas’ sobre Weinstein, ela não está fazendo perguntas novas. Ela está fazendo perguntas muito antigas e agindo como se não tivessem sido completamente respondidas da primeira vez.”

O perigo é esse: que a dúvida plantada agora reverbere em todos os outros casos. Porque se até Weinstein — com mais de 80 acusações — pode ser visto como vítima de um complô, o que dizer dos agressores sem fama, sem holofotes e sem histórico público?

A internet se torna um campo minado para sobreviventes, onde a coragem de denunciar é confrontada por comentários, reações e julgamentos morais disfarçados de “debates honestos”.

E agora?

O novo julgamento de Weinstein deve durar cerca de seis semanas. Durante esse tempo, a imprensa, as redes sociais e a opinião pública terão um papel decisivo em determinar como essa história será contada no futuro.

Mas não podemos esquecer: a justiça legal não é a única forma de justiça. A verdade vivida pelas vítimas continua sendo real, mesmo quando o sistema falha. O movimento #MeToo precisa ser fortalecido, não sufocado. E cabe a cada um de nós — especialmente à Geração Z e à Geração Alpha, que cresceram conectadas — escolher em que lado da história queremos estar.

A luta contra a cultura do estupro, o machismo estrutural e a impunidade não pode depender do desfecho de um único caso. Ela é coletiva, constante e urgente.

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